sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Devaneio

“Difícil é a pessoa ficar cheirosa depois de um dia de trabalho.”
"Eu costumo te achar cheirosa sempre."
"Essa afirmativa só pode ser comprovada mediante apresentação de cheiro no pescoço"

Ele ficou desconcertado e ela sabia, mas as coisas aparentemente só funcionariam assim, na base do comentário escrachado. Era mais que claro que ambos queriam estar agarrados, mas a timidez dele já a deixava impaciente. “Bora, meu querido, reaja, faça alguma coisa, que se eu fizer mais que isso, só se eu me atirar em cima de você”, pensava a moça se apoiando no último fiapo de autocontrole que restava em seu corpo.

Mas de que adiantava autocontrole se ela queria mesmo era soltar as amarras e avançar nele?! Sentir os lábios finos pressionados contra os seus enquanto as mãos passeavam como faísca por rastro de pólvora. Primeiro pelo rosto, tímidas, sem reconhecer o tamanho da liberdade finalmente alcançada. Depois, curiosas pelo pescoço, carinhosas pelas costas, ávidas pela cintura.

Sabe aquele abraço que puxa mais pra perto quem já está junto e funciona muito melhor que palavras ao dizer “Vem cá que eu te quero”?! Então! O autocontrole foi pras caralhas. A boca já deslizava para o pescoço e pequenos gemidos se soltavam ao pé do ouvido. Quem se importa com o mundo ao redor com um universo de sensações a descobrir ali na sua frente?

“Ei, psiu!”.
Ela foi arrancada de seu devaneio pra que os pensamentos se tornassem realidade.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

O beijo

De repente, mas não inesperado, o beijo aconteceu. Aquele beijo que os olhares cúmplices admitiam querer, que no pensamento já havia acontecido centenas de vezes, e que foi muito melhor na realidade.

Daqueles beijos que você nem vê o tempo passar, que você esquece que tem que respirar e que encaixa de um jeito, que faz a imaginação fluir e as mãos passearem. Daqueles beijos que dão a sensação de que as coisas estão no lugar certo, finalmente. Daqueles beijos que você só interrompe pra poder dar aquele sorriso de satisfação.

“Tava me controlando pra ver até onde ia sua timidez”, ela disse. Coisa de Áries que gosta de brincar com a presa antes de atacar de novo.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Itinerantes: histórias de quem vive no circo

"É difícil eu dizer pra você como é não viver no circo, porque o que eu conheço da vida é viver no circo", diz Cristina Sbano, filha e neta de artistas circenses que viveu os 46 anos da sua vida como seus antecessores: trabalhando em circos de todo o Brasil. Ela já foi de tudo um pouco, de palhaça a apresentadora de espetáculo, e hoje coordena as coreografias executadas no Mirage Circus. A história de Cristina é a que pode ser chamada de tradicional nessa situação.

Saiba mais sobre essa e outras histórias de vidas de circo na reportagem produzida por mim e amigos do curso de Jornalismo/UFRN para a disciplina de Reportagem, pesquisa e entrevista.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Sobre tempo e abraços

Einstein já disse que o tempo é relativo, e disso qualquer amante à espera de seu amado é prova viva. Para quem espera aquele abraço com um cheiro no pescoço, as horas se arrastam. Enquanto pro resto do mundo passaram-se duas semanas, já se foram bem uns 20 dias, quase um mês de batidas de um coração apressado.

A ansiedade vai comendo por dentro enquanto você come a parte de fora, a começar pelas unhas. Por dentro tudo acontece em time lapse e ao redor, as coisas mal se movem em slow motion. Parece que a velocidade dos ponteiros do relógio vai ser sempre inversamente proporcional à sua vontade de que o tempo passe. Uma volta do ponteiro maior parece exatamente igual a uma do menor.

Que nem criança mal-criada, o Tempo só faz o contrário do que você quer. É só acontecer o primeiro abraço que, num piscar de olhos, Ele voa. Aquele abraço em que tudo é calma e nada de mal pode acontecer. Aquele abraço que faz você achar que está o mais próximo que se pode chegar do Paraíso na Terra. É um aperto bom que junta todos os pedacinhos que o Tempo espatifou.

Nesse abraço, enquanto o tempo corre, tudo para, num paradoxo gostoso de viver que não precisa ser explicado em teorias científicas.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Presente de dia dos namorados

Apesar do espírito consumista que rodeia esse 12 de junho, o que eu quero de presente nesse Dia dos Namorados não precisa (nem pode) ser comprado. Você me perguntou tanto o que eu queria ganhar, e eu, que não soube responder na hora, te digo.

Quero que o dia passe bem rápido para chegar logo a hora de eu te ver. Quero beijo na nuca. Quero os teus braços ao meu redor da minha cintura. Quero aquele sentimento de que nada pode me atingir só porque estamos juntos. Quero deitar a cabeça no teu ombro e encaixar meu nariz na curva do seu pescoço.

Não quero porta-retrato, quero registrar na pele nossos momentos juntos. Não quero um relógio, quero que o tempo pare. Nem roupas, quero é tê-las arrancadas do meu corpo. Ou talvez aquele seu casaco velhinho, que você sempre deixa no carro só pro caso de eu sentir frio.

Não quero um jantar no melhor restaurante da cidade, quero aquela lasanha maravilhosa que só você sabe fazer. Não me traga um buquê de rosas, nem colar de ouro, nem sapatos de salto. Quero só um bilhete, uma massagem no pescoço e subir nos teus pés para dançar.

Quero aquele sussurro ao pé do ouvido que faz as batidas do meu coração parecerem um tambor marcando o ensaio de uma escola de samba. Quero o carinho que dá arrepios e borboletas no estômago. Quero ficar hipnotizada pela intensidade com que me olhas.

Quero só estar com você, e não só nesse dia, mais um no calendário. Quero estar sempre que possível e quando não for tão possível também. Só uma olhadinha durante um almoço, um beijo de despedida e correr de volta pro trabalho com a certeza de que amanhã vou te encontrar de novo.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O melhor da vida é de graça

Há uns anos assisti a um filme que mudou meu jeito de olhar o mundo. O fabuloso destino de Amélie Poulain conta como a vida de alguém pode mudar a partir do momento em que ela repara nos pequenos prazeres da vida. Amélie, a protagonista, gosta de enfiar a mão num saco cheio de grãos e de quebrar a casca do crème brulée com a colher antes de comer. Amélie é como eu e como você.

Quem nunca reparou nos formatos conhecidos nas nuvens? E quem não é louco por estourar plástico bolha? Os amantes de futebol devem concordar que é muito melhor ver o momento exato do gol e não o replay. É aquela graça e charme contidos num momento efêmero.

Cheiro de livro recém-comprado ou de grama recém-cortada. Quando o ônibus para na sua frente em um ponto lotado. Pisar descalço na grama e sentir as milhares de folhinhas fazendo cócegas nos pés. Ouvir o barulho do mar batendo nas pedras. Estalar todos os dedos do pé ao mesmo tempo.

Deitar a cabeça no colo de quem se gosta e receber cafuné. Zapear os canais da TV e achar seu filme favorito passando. Melhor ainda se estiver no começo. Gostar de uma música na rádio e o locutor dizer o nome logo após. Achar dinheiro no bolso da calça. Dançar com os pés em cima dos pés do seu par.

Passar cola de isopor na mão e esperar secar pra poder tirar. Enfileirar dominós só pela graça de derrubá-los. Ver um dos primeiros flocos de neve cair e derreter. Ver o céu parecer aquelas garrafinhas com areia na hora do pôr-do-Sol. Raspar a panela do brigadeiro. Terminar de ler uma crônica.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Se: partícula apassivadora

Todo mundo tem um ponto da vida em que se pergunta como seria o presente, se no passado tivesse tomado decisões diferentes. E se tivesse escolhido outro curso na hora de prestar vestibular? E se nem tivesse prestado vestibular, tivesse ido viajar? E se nessa viagem conhecesse o amor da vida? E se o amor da sua vida, na verdade, estivesse naquele bar que você deixou de ir ontem? E se...

“Se” é advérbio de condição. Condiciona você a uma vida de incertezas e reconsiderações. “Se” é partícula apassivadora. Ou seja, de gente passiva. Usada quando se olha pro passado e reflete-se sobre o que devia ter sido feito, mas não foi. "Se" é índice de indeterminação do sujeito também: tira a determinação de viver do sujeito dono de sua vida.

Viver a vida projetando um futuro de “E se...” é uma ironia infeliz. É passar a vida pisando em ovos com medo de fazer algo e se arrepender e, no futuro, se arrepender por não ter feito. É viver pela metade. É a mesma coisa de querer comer chocolate e comer uma barra diet. Só pra matar a vontade, sem sentir prazer. Não vale a pena.

Tem até ditado popular sobre isso: é melhor arrepender-se por ter feito alguma coisa, do que por não ter feito nada. Pelo menos quem se arrepende por ter feito, tem história pra contar, tem memórias diferentes umas das outras ao invés de dias monótonos, todos iguais. Quem se arrepende por ter feito pode, das duas, uma: pedir desculpas ou dar de ombros, afinal, já foi feito, não tem como mudar. Ambas as opções deixam a mente leve.

E se o "se" condicionar uma situação diferente? E se mudar? De preferência rápido. Já disse Adriana Calcanhotto: “Vambora, que o que você demora é o que o tempo leva”.